quinta-feira, março 27, 2008

Quem olha quem; quem olha o quê; e quem olha quem olha?

Sempre que a imprensa (e até certos blogs, pasmem-se [ou talvez não]) aborda a questão do, já célebre, "caso Carolina Michaëlis" e nos brinda, como suplemento, com as imagens (em movimento ou não) da cena propriamente dita, as caras (as "identidades") dos intervenientes são mascaradas, são sujeitas a tratamento de ocultação. A professora é mascarada, a aluna é desfocada, as identidades são poupadas. Como se as identidades estivessem ali, naquela imagem. Simplesmente porque alguém também ali está, a observar. Nada mais errado, mas adiante. E o adiante leva-nos aos outros casos, às outras imagens. Como as do, por exemplo, também já célebre, "caso Mariluz", onde o tratamento é distinto, precisamente o oposto. Aqui não se desfoca mas, antes, enfoca. Aqui não se protegem identidades, aqui identificam-se identidades. Aqui destaca-se o presumível assassino à saída de um tribunal. Aqui queremos saber quem é. Na escola, na outra vida, não queremos saber quem é. Pode muito bem ser a nossa filha... Brrr... Se isto não é sinistro, bizarro, perturbante e tudo o mais, bom... a comparação das imagens abaixo é interessante e suficiente (ou talvez não).


Também a mim (como a José Bartolo) o que me interessa, incomoda, desperta o interesse é o outro telemóvel. Não o da disputa mas o que filma a disputa. Não aquele que vemos mas o que nos mostra o que vemos. E aqui sim, digam o que disserem, está o incómodo. Fale-se da falta de responsabilidade, fale-se da falta de autoridade, da falência do ensino, dos tempos idos, fale-se do que quiser, mas tenha-se a certeza de que falamos de tudo isso apenas para fugir a esta outra questão, a este outro desconhecido, este outro medo – o "como chegámos a esta posição?". O que nos trouxe aqui? Porque queremos nós ver as coisas assim, deste modo? Porque o outro telemóvel, o que filma, é também a câmara de filmar da estação televisiva. Um difunde-se pelo Youtube e o outro por um canal televisivo. Mas filmam ambos do mesmo ângulo, e o mesmo incómodo, disso não restam dúvidas. Mas câmara institucional (a TV), essa nós aceitámo-la há já muito tempo. Mas esta nova "câmara" é-nos, ainda, estranha. Ainda não sabemos de onde vem, ao que vem. É que a primeira sempre passa pela régie, organismo onde, de algum modo, depositámos algum grau de confiança. Mas esta, esta vem desabrida, como é, como julga ser. Curiosamente (ou talvez não) este novo olhar acabou mesmo por se revelar exponencialmente, apanhando uma fantástica boleia na difusão dos media, acrescentando ainda mais uma layer à questão. Mas não resistiu ao desfocar das "identidades". Aí, a TV ainda falou mais alto. Mostramos-te, divulgamos-te, mas como nós queremos. E este nós é mesmo a sociedade. Ou uma grande parte dela. A que prefere ver desfocado o que tem ao seu lado (a miúda desafiadora; a professora abusada) e ver com nitidez exarcebada o que não deseja ter ao seu lado (o pedófilo; o assassino). E se, como diz Bártolo, «é nas coisas, e não no olhar sobre as coisas, que reside o perigo», também é verdade que o "perigo" reside tanto nas coisas filmadas como nas coisas que filmam. Há que abrir o olho!

1 comentário:

aquelabruxa disse...

certíssimo! dizem tanto mal da miúda, mas então e os colegas e a filmagem? e porque razão são permitidos telemóveis (ligados) dentro da sala de aula? mas pessoalmente não acho que "a culpa" seja de alguém. o caso aconteceu, não me surpreende, e pode resolver-se. toda esta divulgação é ridícula.