sexta-feira, janeiro 02, 2009

«Devolver o rio aos lisboetas.»

Ciclicamente surge-nos esta expressão aos ouvidos, aos olhos. Na imprensa, na rádio, na televisão. Desde sempre que a oiço, surgindo a propósito do negócio dos contentores, da generosidade do POZOR, de um projecto megalónomo, de uma nova licença de um novo restaurante/museu/concessionário automóvel, whatever. Garanto-vos que nunca a entendi. Mais, que sempre me irritou solenemente. Que treta é essa de devolver o rio aos lisboetas? Quando é que eles o viveram realmente? Em que época de ouro? E quando é que foram espoliados de semelhante valor? Deve ter sido um trauma espectacular! De tal ordem que ainda hoje tal vaticínio salvífico se mantém — havemos um dia de devolver o rio aos lisboetas. Ah, dream on, dream on. Mas a expressão e a quimera lá vão persistindo. Ano após ano. Década após década. Século após século.
Pois bem, desta vez foi no Público do último dia do ano de 2008 que ela se fez sentir. Era grande o artigo sobre o caos que grassa nessa zona nobre da cidade que é o intervalo entre a Praça do Comércio e o Cais do Sodré. Que era Feios, Porcos e Maus, que era Kusturica, que era uma vergonha. Que está repleta de indigentes que ali acampam e secam os seus trapos ao ar livre {Aldeia da Roupa Branca reloaded, topam?}, que tem fogareiros improvisados, que não é segura. Que não é modo de tratar aquela zona da cidade. Pois bem, malta. Primeira chamada à realidade — há 37 anos, pelo menos, que aquela zona da cidade é assim, suja, feia, inóspita e desagradável. Sempre mal tratada, sempre habitada por tipos suspeitos. Lembram-se do café que servia a antiga estação fluvial, o Wagon-Lit, ou lá o que era? Lembram-se? Aquilo era pura e simplesmente intragável, infecto. E quantos anos não esteve aquilo para ali, aberto, ao serviço? Para não falar de um posto de gasolina que por lá andou, logo a seguir, anos a fio, entaipado, envergonhado. Dava muito jeito, sim senhor, mas era uma vergonha tê-lo ali. Se calhar, ainda lá está... E o Tolan? Sim, aquele tabuleiro ali à beira-rio, tão digno da cidade, ficará para a história como a plateia dos mirones do espectáculo da remoção do Tolan! Lembram-se? Eu estive lá, com o resto dos papalvos... {e não estive sozinho, que estas fotografias não são minhas...} Segunda chamada à realidade — já vos passou pela cabeça que agora sim, pela primeira vez na história desta cidade, o rio, a zona ribeirinha, tenha de facto sido devolvida aos lisboetas? Sim, aquela malta que por lá anda neste momento também é lisboeta e está a viver o Tejo como ninguém! Pois, por mim, que o curtam. Finalmente a expressão faz sentido, tem razão de ser. Será que, finalmente, não a ouviremos mais?

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