sexta-feira, abril 30, 2010

Crazy



Assistir à perda da inocência por parte de alguns jovens holandeses é de uma ternura extrema. Mesmo quando tal momento crítico tem desfecho triste e deprimente na vida de uns e de outros, não deixa de ser uma experiência interessante. Na realidade, acredito que um tipo até podia passar-se da cabeça e achar que eles são é umas bestas de uns idiotas, sempre metidos na vida deles, e que se não percebem como as coisas são, então, é porque são mesmo burros. Mas, por outro lado, não é bem assim. Eles são inocentinhos, acreditam no serviço, nas boas intenções e na vida certa. Mas uma coisa é saber disso, ler acerca, ser ensinado para... outra coisa é sentir, passar por elas. Eles estão tão habituados ao conforto – sensorial, material, visual, cultural – que ao mínimo movimento disruptivo, kaboom, lá se vai a lição.

Esta delírante introdução a propos de mais um documentário da grande Heddy Honigmann. Já de 1999, Crazy fala-nos das experiências traumáticas, em cenários de guerra e desolação, de alguns soldados {capacetes azuis, não soldados regulares} holandeses ao longo dos tempos, ao longo do globo. De como o enfrentar a dura realidade da miséria humana alheia os fez mudar. De crenças, de vida, de hábitos. De como tudo isto é {pode ser} triste. Um enorme ponto de interrogação paira por cima daquelas cabecinhas. E ninguém como Heddy para filmar essa gigante marca de vida. De dúvida. De remorso. De culpa. Mas também de saudade {e que ninguém acredite que a saudade é algo exclusivamente português, que mais ninguém tem, que é intraduzível... balelas}. De bons velhos tempos. Aqueles rapazes e raparigas fazem lembrar personagens de romances. Por vezes, aquilo é tudo tão irreal, tão ilusório, tão vago, tão enervante. Mas depois vem o momento em que percebemos que não, que aquilo é humano, é sensível, é palpável. E que deve ser extremamente difícil ouvir o respirar das emoções quando nos encontramos rodeados de tamanho conforto, de tantas certezas. E voltam as interrogações.

Ponto alto do documentário é sem dúvida a música. O papel vital que determinada música tem na vida daquelas pessoas, quando em relação com a experiência traumática. Heddy conseguiu descobrir que todos aqueles soldados tinham uma música de eleição, uma música que os levava de volta ao teatro de operações. E decidiu ouvi-la com eles, em silêncio, filmando-os. Pergolesi, Seal, U2, pimba sérvio-croata, folk cambodjano, uma balada de intervenção holandesa... Esses grandes planos são magistrais, intensos. Pouca gente faz isto tão bem. Gefeliciteerd!





PS — E como hoje é koninginnedag, Lang leve the koningin!

2 comentários:

aquelabruxa disse...

fixe! és das únicas pessoas (senão mesmo a única) que me fazem interessar pelo cinema holandês...
sim, é verdade, eles são inocentinhos, tu percebe-los bem.

anauel disse...

I'll take that as a compliment!

;)