segunda-feira, maio 07, 2012

Ainda o Pingo Doce...



Existe uma grande diferença entre condição e situação. Ao contrário do que pensa Pacheco Pereira*, aqueles portugueses que ali foram {porque foram, ninguém os obrigou}, que ali se sujeitaram {ao tempo, ao stress, à fome, à agitação, ao desespero; apesar de tudo, coisas muito distantes da humilhação, do espezinhamento, da agressão que tantos propalaram}, não sentiam {se sentiam; quando sentiam} vergonha da sua condição, antes da sua situação. A vergonha estava ali, com eles, de mão dada, ombro a ombro com a vergonha do vizinho. A vergonha é só mais um, no meio da maralha. E assim perde peso, não conta verdadeiramente. A vergonha não é para aqui chamada. Os portugueses são, no fundo, desavergonhados. Porque ignorantes, em geral. A vergonha de uma condição é resultado de inteligência, de análise, de ponderação, de discussão aos mais vários níveis. A vergonha de uma condição é um acto heróico, difícil para caraças, coisa rara. A vergonha de uma situação é a consequência do dia-a-dia, é assim mesmo, calha a todos {ainda ontem me tocou a mim...}. Aqueles portugueses ali, à espera do bónus de 50%, continuam a ser os mesmos toscos do costume, aqueles que acham que vivem no melhor dos países, que não há povo melhor. Lisboa é linda. E faz bom tempo. E que somos amáveis. Podemos ser porcos, ignorantes, broncos e não ter absolutamente nenhum respeito por nós mesmos, mas... Ai, este mas. Isto, sim, é uma condição. E aqui não há vergonha que leve a melhor. Há muito tempo que assim é, e cheira-me que por muito tempo assim será. Com crise, ou sem crise.

Mas, então, e a violência? E a polícia {a "tropa de choque", como dizia Daniel Oliveira...; meu Deus em que mundo vive a criatura?}, não foi chamada? E a confusão? O caos? Não contam? Primeiro, vimos o que nos mostraram. E o que quisemos ver do que nos mostraram. Segundo, o caos, não duvidemos, é apenas resultado {uma vez mais, e quantas mais daqui para a frente...} da junção da má organização e gestão de um evento {por parte do Pingo Doce} com a ignorância generalizada e a incapacidade de ler as situações {por parte da populaça}. É tão simples. É que é mesmo. Não vimos já isto na ponte, a caminho das praias? No Chiado, a caminho sabe-se lá do quê? Na Expo'98? Na Feira do Livro?

E por falar em livros. O que fazer em relação a um outro argumento tão abordado, aqui e ali, de que uma coisa é tolerar este tipo de situações por causa de comida e outra é tolerá-las por "cultura". Que uma coisa é sujeitar-mo-nos a uma fila para consumir livros na Feira/música no Pavilhão/gelado no Santini/iPad na Fnac e que outra coisa é fazer bicha no Pingo Doce para ter óleo de fritar a metade do preço. Bom, não é verdade. É tudo a mesma coisa. É consumo. Qual cultura, qual bens de primeira necessidade. É consumo. É identidade. É prazer. É «eu estive lá». Cheira-me que isto é o que verdadeiramente chocou tanta gente. Foi perceber que não há grandes diferenças {ui, olhai a vergonha a surgir...} entre uma coisa e outra, entre uns e outros. E só uma questão de grau. E que a liberdade de cada um gastar o seu tempo, o seu dinheiro, a sua vergonha, onde quiser, quando quiser e em que fila quiser é um direito valioso. E que uns não são mais desgraçados, por escolherem uma fila, nem os outros mais afortunados, por escolherem outra bicha. Bela lição, sim senhor.

Bom, mas e então o dumping? E o respeito pela lei? Nas conversas, consoante os argumentos vão fraquejando, parece-me que se chega sempre a este ponto. Se este é o ponto {e eu até acho que é}, então que se discuta logo este ponto. Esqueçam lá o lumpen e dediquem-se ao dumping. Há muito tempo que estes senhores praticam as maiores barbaridades, há muito tempo que é sabido que o meio ambiente do retalho/atacado/grossista/distribuição é do mais insalubre que existe, há muito tempo que é sabido que os produtores são verdadeiros escravos nesta máquina infernal. Falemos disto, pois. Mas hoje, e amanhã, e depois. Não apenas quando o Pingo Doce decide "dar" uma borla de 50%.


* E não só pensa como se regala, num exercício de onanismo dos mais bizarros a que tenho assistido recentemente. Os seus olhinhos sábios até brilhavam de tanto prazer ao descrever a "suposta" miséria dos outros...

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